Há muita dúvida a respeito do conceito de bem jurídico. Roxin diz que apesar da evolução alcançada na discussão do conceito material de delito, não se conseguiu até o momento precisar o de bem jurídico de modo a tornar possível uma delimitação juridicamente fundada e satisfatória de seu conteúdo. Isso ocorre, primeiro porque não seria razoável restringi-lo aos bens individuais, uma vez que há proteção penal de muitos bens jurídicos da comunidade, como o Estado, a moeda, a administração pública, e a da justiça, cujas lesões também merecem indiscutivelmente uma pena desde a perspectiva de um conceito material de delito. Em segundo lugar, também não se pode considerar as concepções morais dominantes como um bem jurídico coletivo.

Para Roxin, o ponto de partida correto consiste em reconhecer que a única restrição previamente dada para o legislador se encontra nos princípios da Constituição, daí que um conceito de bem jurídico vinculante político e criminalmente somente pode surgir dos deveres, gerados na lei fundamental, do Estado de Direito, baseado na liberdade do indivíduo, por meio dos quais se marcam os limites do poder estatal de punir. Em conseqüência se pode dizer que os bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades úteis para o indivíduo e seu livre desenvolvimento, no marco de um sistema social global estruturado sobre essa concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema.

A partir da idéia de que o tributo é uma expressão do poder estatal, o bem jurídico tutelado será o patrimônio dos sujeitos ativos da obrigação tributária, pois da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal surge para o poder público o direito de receber determinada quantia de moeda, ou valor que nela se possa exprimir. O bem jurídico tutelado é supra-individual, característica do Direito Penal Econômico, pois se trata do patrimônio das entidades públicas beneficiárias do recolhimento dos tributos, cujos valores, em tese, reverteriam em proveito do conjunto da sociedade, em especial, no que se refere à saúde, educação e segurança.

Tal posição tem um nível de abstração muito grande, porque o Estado não possui como fonte de recursos apenas os tributos, em conseqüência a capacidade da máquina para fomentar políticas públicas não está adstrita à arrecadação tributária. A melhor opção seria a proteção do bem jurídico desde o fato gerador, porque circunscreve a incidência do Direito Penal à área específica do Direito Tributário.

Por outro lado, não se pode confundir razão de tutela com bem jurídico tutelado. Ao se afirmar que o interesse público é garantido na observância da obrigação dos cidadãos de concorrer com os gastos públicos se faz referência a uma finalidade. Ou seja, o interesse público na cobrança dos tributos se deve entender como razão de tutela penal e não como bem jurídico protegido.


A melhor solução parece aquela que estabelece o patrimônio do Estado como bem jurídico tutelado pela legislação penal tributária. Com efeito, a arrecadação de tributos pelos cofres estatais se confunde com os recursos destinados à provisão dos serviços públicos em sua totalidade, incluindo a manutenção e conservação do patrimônio afetado a essa prestação. Sob essa premissa – de que o bem jurídico tutelado é o patrimônio do Estado – fica claro que a ofensa à legislação tributária penal somente se perfaz se ocorrer dano, em outras palavras, se houver uma limitação ao patrimônio público ou à sua funcionalidade.

Derzi defende que a compreensão do injusto penal depende da compreensão do injusto tributário. Para ela, a lei penal, que descreve delitos de fundo tributário, como a sonegação fiscal, não pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributário, porque as espécies penais nela estabelecidas são complementadas pelas normas tributárias.

Lembra, acertadamente, a autora que os crimes de fundo fiscal dependem da violação dolosa ou fraudulenta dos deveres materiais e formais, minuciosamente descritos nas leis tributárias e não nas leis penais. Dessa forma, os delitos contra a ordem tributária supõem não só a realização das condutas típicas, descritas na lei penal, mas também e principalmente, a transgressão dos deveres tributários. Se o Direito Tributário autoriza o comportamento, exclui-se a antijuridicidade e não se configura o crime. Argumentando a existência da tipicidade legal ao lado da tipicidade penal, Zaffaroni e Pierangeli esclarecem que, para uma conduta se caracterizar como penalmente típica necessariamente deve ser também antinormativa. Essa antinormatividade seria a exigência de que para a caracterização do tipo penal se faz imperativo que outra norma pertencente a outro ramo do Direito não permita essa conduta.

Para o autor, isto indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas exige outro passo – a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, mas conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante seria, assim, um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico as condutas aparentemente proibidas.

REFERÊNCIAS

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LOPES, Rodrigo Fernando de Freitas. Crime de sonegação fiscal:a crise do Estado como causa de exclusão da culpabilidade. Curitiba: Juruá, 2002.m o poder de ordenar ou realizar o pagamento de tributos no caso do artigo primeiro e quem deve cumprir as obriga
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general.  2. ed. t. 1. Madri: Marcial Pons, 1997.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
DERZI, Mizabel Abreu Machado. Da unidade do injusto penal tributário. Revista de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, n. 63, p. 217-229, 1994, p. 220.
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ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general.  2. ed. t. 1. Madri: Marcial Pons, 1997, p. 54.